Apenas há 10 anos atrás, a união estável civil entre pessoas do mesmo sexo foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, abrindo portas para que fosse liberado o casamento com pessoas do mesmo sexo. Desde então, a pauta LGBT se tornou cada vez mais frequente em nosso dia a dia, combatendo preconceitos de gerações. Na propaganda, não foi diferente.


Com o passar dos anos, a população LGBT foi ganhando mais representatividade na publicidade, com posicionamentos às vezes heteronormativos, reforçando estereótipos, e às vezes desconstrucionistas, com tom de reflexão.


A primeira vez que um personagem homoafetivo surgiu em uma propaganda destinada à TV aberta foi em 1979. A propaganda era de um alimento, que seu diferencial era ser um produto fresco e atrelou a frescura do produto ao personagem gay, como um subterfúgio para dizer que ele era afeminado, com um tom de humor. Ao usar a comédia na narrativa, a propaganda usa do riso para descontrair algo que, na época, era considerado fora das normas e fortifica o estereótipo de que gays são “frescos”. 


Uma propaganda interessante de ressaltar é a primeira propaganda com a temática da AIDS, que foi ao ar em 1989. A homossexualidade masculina era considerada como grupo de risco da doença, atraindo ainda mais preconceito para o grupo. Na propaganda, o cantor Cazuza aparece, já abatido pela doença, e se torna a primeira pessoa declaradamente soropositivo a aparecer em uma propaganda, quebrando o senso comum de que a doença é uma punição para a população LGBT. Essa peça foi premiada no Festival Brasileiro do Filme Publicitário.


As lésbicas tiveram sua primeira aparição em 1993, em um comercial de imóveis que eram dois casais homoafetivos masculinos e um feminino, onde estavam discutindo o relacionamento. A narração deixa claro que os casais não deveriam estar juntos, pois “inquilinos e proprietários não foram feitos um para o outro”, usando da mesma tática de humor para aliviar a tensão por conta da orientação sexual dos personagens. Se você ri pelo simples fato da pessoa ser LGBT, isso é preconceito.


A travesti Rogéria foi a primeira a aparecer em um comercial, em 1999. A propaganda de produtos de limpeza fazia comparação do preço do produto “quase de graça” com a própria Rogéria: “quase mulher ou quase homem”. Isso dá força à ideia de binaridade do gênero, e mesmo sendo ousado colocar uma travesti naquela época, a publicidade pecou ao afirmar que a travesti não era nem uma coisa nem outra. 


A primeira vez que duas mulheres se beijaram em uma propaganda foi em 2000, porém foi denunciada ao CONAR que decidiu por modificar o anúncio, inserindo uma tarja preta no beijo, e mais tarde sendo arquivada pelas constantes reclamações. Vale ressaltar que o comercial foi listado como Arquivado por Respeitabilidade, sendo que existe uma categoria de Discriminação. 


Em 2005, um comercial usando a palavra bissexual foi veiculado. Esta foi a primeira vez que isso aconteceu na propaganda brasileira. Um anúncio de telefonia em que as pessoas são representadas por esponjas de fone de ouvido, cada uma diferente da outra. O narrador apresenta várias formas de dividi-las, até que ele fala “heterossexuais” e sobra uma única esponja amarela. O narrador continua: “homossexuais” e a esponja vai como se estivesse indecisa para o grupo. Porém, o narrador ainda fala: “bissexuais, pansexuais”, nisso várias esponjas surgem de grupos diferentes, se juntando à esponja amarela, finalizando com duas esponjas, uma azul e outra rosa, se conectando a um fone. O comercial celebra a diversidade em diversos campos da sociedade e quebra paradigmas verbalizando as orientações sexuais, algo que anteriormente não acontecia e a identificação dos LGBTs se davam através de símbolos e caracterizações que corroboram com a estereotipização da população LGBT. 


Em 2014, uma propaganda de cidadania orienta o público a testar coisas. Em uma das várias ocasiões mostradas no audiovisual, duas travestis são mostradas andando animadamente enquanto o locutor diz a frase: “Teste se sentir bem com você”. Ou seja, ele associa a identificação de gênero das travestis com a busca pelo apaziguamento do interior com o exterior, celebrando a liberdade de você ser quem você quer ser.


Um anúncio em 2015 que foi ao ar no Dia dos Namorados, mostrando diferentes tipos de casais, heterossexuais e homossexuais, foi enviado ao CONAR por desrespeito à família tradicional brasileira, porém, desta vez, ele foi liberado e permaneceu no ar.


Hoje em dia, já é bem incomum ver anúncios com atitudes desrespeitosas para com os LGBTs, muito pelo aumento da relevância das redes sociais, que trouxe consigo a cultura de cancelamento e consumidores mais atentos às atitudes e posicionamentos reprováveis por parte das marcas.


Muitas delas se informaram sobre esse público e aprenderam como tratar as pessoas LGBT com respeito e dignidade. Porém, a cultura do cancelamento gerou um certo receio em algumas marcas, por não saber como lidar com eles. O que podemos dizer a essas marcas é para que aproveitem o mês do orgulho para aprender e refletir para que juntos possamos construir uma sociedade mais livre e justa.


Fonte: RODRIGUES, André Iribure (Doutor em Comunicação e Informação); CARVALHO, Amanda de (estudante de graduação UFRGS/RS) - "Desde a Década de Setenta, em Setenta Comerciais: as representações LGBT na publicidade e propaganda veiculadas na televisão brasileira" 

Postado em 01/06/2021, por Pedro Copolillo